16 de janeiro de 2017

aveiro no coração # 11

Aveiro tem muitas ruas, mas tem uma com nome de mulher.
É a rua do Palhuça, que quem é de Aveiro sabe que aquele sempre foi o restaurante de referência para a nossa rica caldeirada de enguias.
Simone de Beauvoir, precursora da chamada "segunda vaga" feminista, disse, um dia, que "uma pessoa não nasce mulher, torna-se mulher". Esta frase faz parte da sua obra marcante Segundo Sexo que se debruça nos estudos de género, reforçando a diferença entre sexo e género e salientando a ideia de que a identidade da mulher é construída ao longo do tempo.
Assim aconteceu com Antónia Rodrigues ou, como ficou conhecida, a heroína de Mazagão.
Nascida entre 1560 e 1562, era filha de Simão Rodrigues, marinheiro, e de Leonor Dias, mulher e, sendo só mulher, não tinha profissão.
Dizia-se que era muito bonita e cheia de vida.
Por motivos financeiros, por volta dos dez ou quinze anos, foi viver para Lisboa, para casa de um irmão. Para ela, as lides de casa a que o irmão a obrigava eram um tormento e começaram as discussões e os maus tratos. Certo dia, vestiu um fato de marujo e, assim disfarçada de rapaz, correu para a Praça da Ribeira, para tentar desembarcar nalgum barco que por aí estivesse fundeado. Quando lá chegou, deparou-se com uma caravela atracada, carregada de trigo, cujo destino era Mazagão.
Mazagão era uma das praças mais importantes do Norte de África, situada junto da costa de Marrocos, fortificada pelos portugueses, que desempenhou papel preponderante, durante o século XVI.
Sob o nome de António Rodrigues, acabou por ser contratada como grumete da caravela.
Em abril, deixou o país.
António desempenhava os trabalhos a bordo de forma irrepreensível.
Cumpria todas as ordens com grande agilidade e aguardava-o, certamente, um futuro promissor na marinha portuguesa.
Mal desembarcou em Mazagão, dirigiu-se ao capitão da Fortaleza e pediu-lhe que o deixasse apresentar praça como soldado.
E assim aconteceu.
De imediato se habituou ao manejo das armas e aos exercícios da vida militar e rapidamente se distinguiu, novamente, pelo seu valor.
Um dia em que se encontrava de sentinela, António ouviu um rumor de vozes e passos longínquos. Suspeitou logo que os marroquinos se preparavam para deitar fogo às searas que rodeavam a fortaleza. Foi, então, bater à porta do capitão, pedindo-lhe que o deixasse sair ao encontro do inimigo. O capitão, admirado com tamanha coragem, deixou-o partir, comandando alguns camaradas por ele escolhidos. Conseguiram, assim, surpreender os mouros que foram vencidos, ainda que em número superior.
António passou a ser um herói.
Daí em diante, fazia parte de todas as missões arriscadas.
Ao fim de dois anos de serviço, o governador decidiu mandá-lo assentar praça como cavaleiro, dando-lhe soldo e mantimento conforme a sua nova condição. E, enquanto cavaleiro, António voltou a destacar-se. Montava admiravelmente e a sua bela figura contribuía para a sua fama de homem educado e de nobres sentimentos. Posto isto, não demorou a despontar grandes paixões. Para dar mais credibilidade ao seu disfarce, correspondia a uma ou a outra rapariga.
Todavia, foi quando a filha de D. Diogo de Mendonça, um dos principais cavaleiros da praça de Mazagão, se apaixonou por ele que a sua condição se tornou melindrosa. Só quando o pai lhe ofereceu a filha em casamento, tomou consciência da gravidade da situação e teve de contar toda a verdade. Depois de ter sido censurada pelo governador, este mandou-a vestir roupas apropriadas e enviou-a para casa de uma família, naquela mesma praça.
Ao saber-se da história em Mazagão, todos a quiseram cumprimentar pela valentia demonstrada e até as donzelas enganadas que lhe ofereceram a sua amizade.
Antónia acabou por casar com um cavaleiro que se encontrava em serviço em Mazagão. Pouco tempo depois, voltou a Portugal, onde a esperavam honras e distinções. Filipe II, que então reinava, quis conhecê-la pessoalmente e galardoou-a pelos seus serviços. Mais tarde, acabou por tomar um filho de Antónia como moço da sua câmara real.
Enquanto mulher, nunca mais se ouviu falar de Antónia.
Enquanto aveirense e enquanto mulher, sinto orgulho de conhecer a sua história.

Amo Aveiro!

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